É especialmente interessante a tradição de que o Paraíso já foi a nossa casa, nos primórdios da existência do ser humano. Depois a humanidade perdeu o direito a viver nele, por ter almejado algo que lhe estava terminantemente vedado. Desde então, resta‑nos a possibilidade ou o anseio de voltarmos a esse lugar há muito perdido. Na espinhosa vida terrena se situam as presentes narrativas. Com mais ou menos percalços, maior ou menor resignação, melhor ou pior desfecho, todas as personagens sofrem o que lhes surge no caminho e tentam lidar com o sofrimento como sabem. Embora as personagens apresentem, por vezes, alguns laivos de heroísmo, não é essa a virtude relevante. São pessoas comuns, sem feitos notáveis, de existência apagada, em que o sofrimento é a norma. Não acreditam que entrarão no Paraíso pela porta grande, recebidos por festivas trombetas, seres alados e luzes resplandecentes. Nem tão‑pouco o desejam, pois não aspiram à grandiosidade. Micaela expressa‑o claramente nas suas Confissões, ao declarar: «Só se for à porta de trás, para não incomodar.» São personagens comuns, não especialmente dotadas e por vezes burlescas, cuja humildade ou simplicidade as impede de se acharem merecedoras, que preenchem este livro. É precisamente por não se verem como especiais ou dignas de privilégios concedidos pela divindade que a autora lhes reconhece (não apesar das suas fraquezas, mas por causa delas) uma grandeza comovente, e as regista nesta obra, numa tentativa de lhes oferecer como compensação um modesto quinhão de imortalidade.
Estas personagens andam por aí, nas nossas ruas e praças, casas e jardins, escolas e hospitais. Se olharmos bem, podemos reconhecê‑las e, quem sabe, amá‑las.
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