Até que finalmente se fez luz. Ali estava eu, a ver uma vintena de doentes todos os dias, bem como as famílias, dezenas de médicos e enfermeiros, e continuava à procura de pessoas. Durante esse tempo todo tinha lidado com casos, gráficos, doenças, remédios, pessoal e prognósticos, em vez de pessoas. Pensara nos pacientes apenas como máquinas que tinha de reparar. Comecei a ouvir a linguagem dos meus colegas de uma nova maneira. Lembro-me de me dirigir a uma plateia de pediatras nesse ano. Muitos deles chegaram tarde, explicando entusiasmados que tinha acabado de dar entrada no hospital um “caso interessante” – uma criança quase em coma diabético. Chocado, apercebi-me da distância que essa atitude colocava entre os médicos e o “caso” que, por sinal, era uma criança muito doente e assustada, cujos pais estavam desorientados.
Apercebi-me de que, por muito que tentasse combatê-lo, também eu tinha adoptado essa defesa padrão contra o sofrimento e o fracasso. Por estar a sofrer, retraía-me quando os pacientes mais precisavam de mim. Isso tornou-se particularmente óbvio quando regressei de umas férias prolongadas em Agosto de 1974. Durante alguns dias reagi apenas como ser humano. Depois senti as emoções a desvanecerem-se e a máscara profissional a sobrepor-se. No entanto, eu queria manter essa sensibilidade, porque a frieza não salva, de facto, ninguém da dor. Apenas enterra a mágoa mais fundo. Costumava pensar que uma certa dose desse distanciamento era essencial, mas para a maioria dos médicos julgo que vai longe de mais. Demasiadas vezes a pressão esmaga a nossa compaixão inata. O chamado interesse desprendido que nos ensinam é um absurdo. Pelo contrário, é necessário que nos ensinem um interesse racional, que permita a expressão dos sentimentos sem prejudicar a capacidade de tomada de decisão. |